segunda-feira, 16 de novembro de 2009

São Paulo, luz.

Quando a gente vai vivendo e lutando em São Paulo por muito tempo, se vai, aos poucos, esquecendo que além destes milhares de prédios, antenas e painéis existem ainda muitas árvores, outros pássaros que não pombos e pessoas calmas e com tempo.
A gente “amadurece” aqui, o que os olhos vêem o coração não sente. Eu sei que ver é irreversível, mas às vezes a gente quer cegar a alma pra parar de ver o que não dá pra modificar: profundas injustiças na cidade das oportunidades.
Mas existe um lugar que nos faz entender São Paulo: o Parque da Luz, o coreto, a estação, seus camelôs, desempregados, mendigos, aposentados, prostitutas, cães, aquela música urbana, a José Paulino, os compradores, o restaurante Acrópole e a Pinacoteca.....Ah, a Pinacoteca, um oásis, onde finalmente podemos sem medo tirar as vendas da alma e deixá-la enxergar, porque lá é permitido se emocionar, o que os olhos vêem o coração está autorizado a sentir.
Um passeio pelo acervo da Pinacoteca nos ensina a ter um olhar circular sobre as obras. São tantos traços, formas, sensualidade, dor, humor, intimidade, dignidade, exatidão, amor, ódio, risco, ousadia. Tantas óticas pra traduzir o mundo.
Quando deixamos a Pinacoteca nossa alma não aceita mais nenhuma venda, ela está curiosa e então olhamos em volta e lá esta a luz: o parque, a estação com as prostitutas, as obras de arte,os velhinhos, trabalhadores, imigrantes, todos que correm e lutam e pulsam e sangram e sofrem e riem e cheiram e amam e descobrimos que São Paulo tem vísceras. E elas gritam em cada esquina pra que nós tiremos as vendas e pra que aprendamos a ser felizes dentro desse caos. Ter coragem de olhar nos olhos de qualquer um sem medo ou culpa, pra que possamos nos deixar atarantar e pra que voltemos a ter esperança, pra que voltemos a sonhar. É o sonho de cada um de nós que dá vida pra São Paulo..As prostitutas sonham. Sonham os camelôs, trombadinhas, donas de casa, travestis, executivos, policiais, dependentes químicos, crianças, artistas. Sonham e são sós... A arte nos devolve as chaves da caixinha onde os nossos sonham estão guardados. E numa cidade como São Paulo, que às vezes nos parece abandonada, onde às vezes nos sentimos completamente desamparados, a arte nos ensina a compaixão, essa ótica circular tão poderosa que transporta nosso olhar de dentro de nós até o outro. Luz pra todos nós.
Um beijo.
Grace Gianoukas

5 comentários:

  1. Grace...

    Lindas palavras. Realmente, nos dias atuais, só o sonho consegue nos levar sempre em frente quando estamos, constantemente, diante de tantos absurdos. Perfeito o texto.

    Bjs,

    Alberto (Recife/PE)

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  2. Grace

    Muito legal lembrar do Restaurante Acrópolis na Rua da Graça, e todos os demais detalhes da região do Bairro da Luz, que hoje, quase esquecido e dizem lembrar-se em meio de obras de revitalização que pouco planejadas ainda não resultam em estruturas coerentes com o cotidiano paulistano.
    Nasci na região, trabalhei muito e ainda trabalho pela região da Luz. Convivi com o Auge e a Decadência do local. Mas os tesouros, muito ainda desconhecidos pela maioria dos moradores da cidade, que pouco importam-se com tamanha riqueza cultural esquecida em meio ao preconceito de uma região que deveria ser para demais respeitada e realmente reerguida.
    A culpa disso? Não sei, em meio à tantas coisas que acontecem no dia a dia... Nem podemos dar responsabilidades tanto à administração como à população omissa ou que por coação e insegurança não lutam por uma melhora coletiva e pensam em si mesmas com uma falsa vitória, dando as costas para uma incoerência. Acho que por isso às vezes não me encontro e faço o que chamo de "Fazer Turismo em casa", me fechando para o mundo..."

    No link, uma foto de minha autoria, Estação da Luz à noite.
    http://www.reflexosonline.com/reflexos.php?num_foto=26405

    Beijos mil
    Kiko

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  3. A-do-ro!!! É isso... ver é tão digno, né tia Grace? Me sinto privilegiada por perceber que pude conviver com esta explanação sobre a imprescindibilidade do "ver"... e absorvê-la para tentar escapar da perigosa cegueira que assola a humanidade através dos tempos. Falou e têm dito... Um brinde à luz!!! Perfeito texto.

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  4. QUERIDA, QUE TEXTO COMOVENTE! LUZ SEMPRE,
    LEDUSHA

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  5. O quadro popular da metropole, teu texto tem cheiro e suor, lutas, esquecimento, a "tradição" das grandes cidades com pessoas objetos esquecidas como postes. Carissima tua arte grita!

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