segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Sonho

Gente, que saco!!!!
O Rodrigo Santoro não larga do meu pé. Telefona, manda flor, fica chorando na porta da minha casa.
Dizer não, delicadamente, não adiantou.
Eu tive que dizer pra ele bem na cara:
- Rodrigo, desculpa a franqueza, mas não dá, não te quero nem pra uma rapidinha.

Vocês vão dizer: “Essa louca tá sonhando”
Estou mesmo.
“Sonhar não custa nada, não se paga pra sonhar”, cantou a Mocidade Independente de Padre Miguel.
Ainda bem. Já pensou? Era só o que faltava.

Uns sonham com a casa própria, outros com a Mega Sena.
Uns sonham encontrar um grande amor, outros com a separação, outros em dar só uma escapadinha.
Tem os que sonham com a fama e depois, de tão famosos, sonham com um minuto de privacidade.
Tem sonho recorrente, premonitório, erótico. Cada um sonha com o que bem entender. E eu gosto de sonhar que o Rodrigo Santoro é apaixonado por mim. Me deixem.

Sonhos inspiraram Dali, Fellini, Picasso, Einstein.
Sonhar sonhos impossíveis tem alavancado o homem para incríveis descobertas.
Chegamos ao espaço, deciframos o código genético, mapeamos o cérebro humano e.... Que medo! Abrimos as portas pra uma apavorante aliança entre ciência e publicidade: o neuromarketing.
Pensando bem, sonhar com o galã de cinema e não com o atendente do açougue do bairro, já é um efeito do marketing...
Será que nem sonhar livremente a gente está podendo?
Não, a gente não pode mesmo.

O sonho acabou há muito tempo. Não dá nem pra sonhar com o açougueiro do bairro. O açougue fechou. Quitandas e minimercados foram engolidos pelas grandes redes.
E o Canal Futura é um canal a cabo. Os milhões de semianalfabetos brasileiros agradecem.

Aquela casa no campo pra plantar os amigos, os discos, os livros e nada mais... Revelou-se um tédio.
Os carneiros e cabras pastaram tão solenes que foram tomando conta do jardim, foi uma detonação, não sobreviveu uma flor, uma muda de grama. Defecavam tudo, tinha que viver limpando, um mosqueiro...
As crianças logo tiveram que estudar na cidade. No campo só tem escola pública, todas péssimas. Aí vieram os trabalhos de grupo, os campeonatos e logo as festinhas da turma de amigos da cidade. Lá ia o pai pegar a estrada às 4 da manhã pra buscar os adolescentes na cidade, isso quando não ficava dormindo no carro, na esquina da festa.
Nem precisa dizer que o celular foi inevitável.
Os amigos já não apareciam como antes. As últimas visitas tinham sido repletas silêncios. Os assuntos não rendiam mais como antes:

- Você leu “O Cosmos de Humboldt”?
- Detesto ficção científica.
- Não é ficção. É sobre a viagem daquele cientista alemão, Alexander von Humboldt, à América no século XIX...
- Nem ouvi falar desse cara, ciências nunca foi meu forte. Ultimamente estou mais dedicado aos livros de economia mundial, globalização. Você sabe como a nossa fábrica cresceu. Estamos exportando até pra Dinamarca, os gringos adoram artesanato com sementes.
- Quem diria, né? Lembro de nós dois expondo no chão da feira hippie.
- Nem fala, não sei como eu conseguia viver daquele jeito.
- A gente era livre, sempre alguém aparecia com um baseado, as garotas adoravam o nosso trabalho “artístico”... Como a gente era feliz.
- Eu não era. Como alguém pode ser feliz naquela penúria, um desconforto... Tenho arrepios só de lembrar.
- ........
- Você tem acompanhado a CPI?
- Que CPI?
- ........

Depois de um longo silêncio:

- Cara, tenho que ir. Sabe como fica essa estrada nos domingos, quando o povo volta dos sítios. Vamos falando por e-mail.
- Legal...

Foram ficando tão solitários e isolados quanto os analfabetos digitais, categoria onde também estavam incluídos. Um dia instalaram TV a cabo, noutro banda larga pras crianças e pra eles, nos quatro computadores que adquiriram pra casa, pois agora passavam as noites navegando em sites pornô, cada um no seu PC, sempre tiveram um casamento aberto. Depois assinaram pay-per-view do reality show pra ver aquele pessoal trancado, isolado do mundo.
Que nem eles.
Fizeram a vontade dos filhos e agora moram num apartamento de 4 quartos, com área de lazer completa.
“Ainda somos os mesmos....” .
Só o sonho de valsa ainda é igual.... Porém hoje, oferece opções de novos sabores. Experimente.

2 comentários:

  1. Isso é um manifesto, estou saboreando parte por parte da sua blogosfera! Carissima filosofa (agora já não é apenas a talentosa comédiante acida)arrepiei com tua prosa.
    "Pensando bem, sonhar com o galã de cinema e não com o atendente do açougue do bairro, já é um efeito do marketing...
    Será que nem sonhar livremente a gente está podendo?" Perfeito


    Nossos sonhos são programados por uma ideologia mercadologica, sofremos uma junção com as coisas, Já disse o velho barbudo Marx "As coisas estão se humanizando e os humanos se coisificando". Parabéns pelo espaço e pelo livre- pensamento.

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  2. Uau, muito bom. Quando sonho com algo perigoso como levar um tiro ou coisa parecida, tenho um mecanismo acionado que me faz acordar e pensar "foi só um sonho" (só que isso também faz parte do sonho). Agora sonhar com Santoro é bem melhor.

    Ficava pensando: como a Grace consegue pensar em tantas personagens, criar tantos textos, lembrar de tudo no palco ou improvisar tão bem que nem se nota o improviso ou mesmo que se note fica bom? Tá tudo explicado: é o sonho de valsa! ;)

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