terça-feira, 3 de novembro de 2009

Me contraio

texto que escrevi numa dessas madrugadas)

São Paulo, inverno de 2009, 4:40

Pé gelando - pijama de vaquinha - pantufa de onça - alma arrebatada - olhos de harpia...
Como?
Olhos de harpia? Qual harpia, a ave de rapina mais poderosa do país ou a harpia da mitologia grega, a monstra com corpo de abutre e cara de mulher?
Caguei. Isso é irrelevante. Agora.
Tanto faz ter o olhar de uma ou de outra; ser eu uma, ou ser a outra.
Eu me sinto empalhada, petrificada. Agora.
Meus olhos estão muito abertos, estatelados. Olhos de águia empalhada, olhos de estátua, olhos de monstra grega.
Acho que nunca mais conseguirei fechar os meus olhos, mesmo que eu queira, mesmo que eu mande, eles não me obedecem mais.
Quando gero uma idéia logo surge um pensamento que começa a crescer dentro de mim. Alguns pensamentos, como os insights, são sufocantes, pois às vezes, são porradas tão fortes que acionam os airbags da alma que inflam em poucos segundos, depois se encaixam como qualquer outro pensamento e vão se moldando em conceitos e entendimentos. E, toda vez que isso acontece, a cada novo pensamento, meus olhos involuntariamente se abrem, como se fossem bucetas parindo minhas compreensões.
Tive um dia bem denso, daqueles sem extintor ou saída de emergência: vida real sem nenhum lubrificante. DÓI. E o pior é que é tudo verdade, a gente não acorda, não tem log-off, nem anestesia.
Procuro alguma coisa que me arrebate, algo que me traduza, algo que me emocione tanto, que seja capaz de me catapultar pra um outro estado de sabedoria.
Nada. Originalidade zero."Alguma angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai", escreveu Santa Clarice Lispector, padroeira dos inadequados, que trafegava entre o mundo que vemos e o inconsciente pra traduzir e abrir portais de entendimento.
O que me resta no fim de um dia como este?
Entender. Ligar os pontinhos e formar a figura.
Fico filosofando sozinha...
Eu me contraio pra depois me expandir. Eu escrevo, avanço, marco terreno, edifico compaixão, me derramo em paz.
Finalmente meus olhos rebeldes voltam pra mim: “Tá bom por hoje? Vamos descansar?”, digo no escuro.
Meus olhos lacrimejam, sorriem e completamente entregues começam a fechar.

2 comentários:

  1. Amore, que delicia ver seus textos,pensamentos ... e que maravilhosos 5 textos são esses ...Amei ÓTIMA ESTREIA!!!
    Bjks

    Darwin

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  2. Demorou pra tu colocar estas giras da tua cabeça por escrito mulher! Essa tua criatividade transborda nos palcos, mas a escritura é sagrada. Já dizia nossa Santa Clarice Lispector: "o que digo, digo nas entrelinhas".
    Ela é foda.
    Escreva, escreva honey. É o remédio da água.
    Um dia perguntaram pra Clarice: "Porque voce escreve?" E ela respondeu: "Porque voce bebe água?"
    É necessário. Pra gente como a gente. ;)
    Se é que a gente é gente. ;)
    Saudades....vou ficar assídua por aqui, pode deixar.
    Beijo amora!

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